RESENHA

Os fios (in)visíveis da produção capitalista: informalidade e precarização do trabalho

Maria Augusta Tavares. São Paulo: Editora Cortez, 2004.

por Silvia Neves Salazar1


        As transformações societárias decorrentes do processo de reestruturação produtiva e do projeto neoliberal, particularmente, desde meados dos anos 1970 nos países centrais, vêm trazendo implicações na lógica do padrão de desenvolvimento capitalista. Tais transformações trazem à tona um cenário que nas últimas décadas incide diretamente no campo do trabalho, onde se identifica a retomada de velhas formas de inserção no trabalho.

        O livro de Maria Augusta Tavares traz uma rica problematização da reemergência de antigas formas de trabalho, especificamente o trabalho domiciliar, em cooperativas e em pequenas empresas, frente a um contexto marcado pelo desemprego estrutural. Como objeto de estudo a autora busca desenvolver uma análise das mudanças decorrentes da reestruturação produtiva, que incidem no mundo do trabalho, redefinindo as relações de produção e o modo como nelas se inserem as relações informais de trabalho. Assim, Tavares direciona sua pesquisa para o desvelamento dos fios (in)visíveis que articulam o trabalho informal à produção capitalista. A autora nega a tese de que o trabalho informal reduz-se a atividades secundárias ao capital, trazendo para o centro da discussão a funcionalidade que o trabalho informal adquire no contexto da reestruturação da economia capitalista. A autora defende a tese de que “... o trabalho informal cumpre a mesma função do formalmente assalariado, que desenvolve sua ocupação na indústria, nos ramos comerciais e/ou financeiros, sob uma explícita relação empregado-empregador” (19:2004).

        Na construção de um quadro categorial que dê conta desta análise a referência teórica de Marx é fulcral. A autora parte de algumas categorias marxianas, como: trabalho produtivo e trabalho improdutivo; processo de trabalho; processo de valorização, entre outros. Na pesquisa, a autora enfatiza que o trabalho informal tende a ser cada vez mais incorporado pelo núcleo capitalista, visto que no atual contexto, o trabalho formal e informal coexistem na mesma unidade produtiva.


        No primeiro capítulo, a autora busca demonstrar a insustentabilidade teórica da literatura que se volta para a análise do setor informal a partir da tese dualista. Neste sentido, por um lado, destaca que, as atividades informais, nesta perspectiva, voltam-se para a economia de sobrevivência daqueles grupos que não conseguem se inserir no mercado formal, logo, o trabalho informal tende a criar ocupações de baixo custo. Por outro, sustenta a tese de que o setor informal atende aos interesses do capital, visto que tende a generalizar-se pela sua funcionalidade ao capital. A partir da insustentabilidade teórica do “setor informal”, Tavares busca mostrar, neste primeiro capítulo, que o trabalho informal constitui uma perversa inserção do trabalhador no mercado de trabalho.

        No centro deste debate, vale destacar a polêmica em torno dos organismos de fomento à criação de empregos a baixo custo, que ao situar o trabalho informal, como um fenômeno externo a lógica capitalista, desloca a questão do desemprego da relação capital/trabalho. Logo, a outras instâncias cabe a provisão de emprego para trabalhadores pobres, o que se reduz à política de combate à pobreza. Como demonstra Tavares o trabalho informal que se expressa no trabalho domiciliar, nas cooperativas e nos pequenos empresários pode significar uma política pobre para o pobre.

        No segundo capítulo: “Informalização do trabalho: uma expansão das relações capitalistas”, a autora aborda a explosiva informalização do trabalho através da análise dos processos de terceirização. Retomando as categorias trabalho produtivo e trabalho improdutivo, a autora desenvolve uma análise de como o trabalhador informal desempenha a mesma função para o capital, porém em condições precárias e sem nenhuma proteção social, ou seja, via as atividades informais. No que se refere a discussão do trabalho produtivo e improdutivo, Tavares deixa claro que na sociedade capitalista importa pensar que direta ou indiretamente tais tipos de trabalho contribuem para a produção da mais-valia. Visto que o que é relevante nesta sociedade capitalista é a crescente valorização do valor.

        O último capítulo: “A funcionalidade do trabalho informal na produção capitalista” volta-se para a apresentação da pesquisa empírica a partir das novas formas de organização da produção. A análise dos dados sobre a realidade de experiências desenvolvidas no Nordeste e no Sudeste do Brasil revela que cada vez mais se ampliam as atividades informais, o que leva a autora concluir que a informalidade tende a se generalizar no atual movimento do capital. Neste quadro, Tavares analisa os processos de terceirização, expressos pelo próprio trabalho informal, assim como as reformas mais importantes de flexibilização do Direito do Trabalho que refletem um aprofundamento da submissão do trabalho ao capital, onde se destacam a Lei das Cooperativas de 1994 e a Lei do Contrato Temporário de Trabalho de 1998. (2004:133).

        Para a autora, as formas alternativas de produção expressam uma profunda dependência à lógica capitalista e contribuem para mascarar a luta de classes a partir da negação da contradição entre capital/trabalho. Nas experiências relatadas se identificam a preservação e intensificação da subordinação do trabalho ao capital. Logo, sem eliminação do mercado, Tavares não considera a possibilidade de práticas, como as de cooperativas, que negam a propriedade privada e que apontam para o socialismo.

        Desta forma, para Tavares o nexo do trabalho informal com o capital não é novo, o que se coloca como novo é a expansão do fenômeno da informalidade no interior da lógica capitalista. Onde através de fios (in)visíveis a produção capitalista se apropria do trabalho informal que assume uma função tão importante quanto o trabalho formal.

        Reconhecemos que os fundamentos da crítica utilizados pela autora são extremamente ricos e pertinentes para explicitar a subordinação do trabalho informal à dinâmica do capital. Mas, vale considerar que, de forma ainda difusa, surgem iniciativas de inserção no trabalho caracterizadas pela lógica da reprodução ampliada da vida, da perspectiva política da solidariedade, da emancipação dos sujeitos que visam uma nova cultura do trabalho e que buscam a integração entre os processos de transformação econômica e os processos culturais, sociais e políticos. Desta forma, essas experiências precisam ser consideradas também quanto ao seu potencial transformador o que significa reconhecer a capacidade desses processos, aparentemente isolados, tornarem-se o cerne da construção de uma nova sociedade.



1Doutoranda em Serviço Social pela PUC/RJ e professora do Curso de Serviço Social da Faculdade Salesiana de Vitória/ES.